domingo, 5 de fevereiro de 2012

Na saúde na doença, na alegria e na tristeza


A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

(Tom Jobim - A Felicidade)


Eu sempre desconfiei que eu tinha ela ao meu lado. Eu sempre suspeitei que a adquiri ou nasci com ela. eu sempre senti que ela era uma parte minha. Eu sempre acreditei que nada poderia ser feito sem que ela ao menos se manifestasse de alguma forma, sempre mostrando o outro lado da moeda. Mas eu sempre a neguei, aliás, eu, como todo ser humano fui educado durante toda a minha vida a combatê-la, a curá-la. Fui instruído a livrá-la do meu campo, das minhas metas. Como a pior das doenças, meu objetivo de vida foi dedicar toda minha força e energia para erradicá-la. Ela é a tristeza, ela é a melancolia.

Falar de tristeza é a coisa mais óbvia desse mundo. e ao mesmo falar assim, tão genérico, soa vago, sem rumo, sem propósito. eu falo aqui da consciência da tristeza. Falo de uma constatação radical de sua presença eterna. Falo, ou pelo menos tento, da minha vontade de reaprender a viver com ela, sabendo que ela jamais irá embora. ( ela nunca saiu daqui.)

Eu tenho feito um esforço nos últimos seis meses sobre-humano pra dar um novo sentido a essa minha convivência com ela. e colocar isso na prática. há um misto de revolta e perplexidade em constatar que tudo que te ensinaram a vida toda, na escola, na família, nos grupos de amigos, na publicidade, na TV..tudo que te ensinaram no que diz respeito à palavra felicidade não se sustenta de fato. A obrigação de tê-la e as formas pelas quais somos obrigados a persegui-la sem questionar, gera uma eterna frustração e um processo infinito de dor. Somos empurrados abismo abaixo na busca de uma felicidade sem pararmos pra pensar nas condutas que temos nesse processo.

Somos instruídos a ter. a acumular. Nos matamos de trabalhar para TER um carro, tablets, i-phones, imóveis, filhos. mas não aprendemos ainda a parar de destruir e explorar a terra e o outro. a felicidade, da forma como questiono, é uma posse. é uma moeda de troca. é asséptica. é insistentemente moldada como perfeição, como prêmio, que só aqueles que a merecem receberão. é uma felicidade plácida, imaculada. escancarada, obscena. é mística, é fetiche. é gozo, é perfumada. é minha, somente minha.

Essa idéia de felicidade se confunde com o dogma. é uma verdade inquestionável, afinal, quem seria louco de questionar seus próprios momentos de felicidade? Sendo assim, essa mesma e tão perseguida felicidade seria o começo e o fim. Mas não pra mim.

Eu a renego. infelizmente eu a enxergo nua. Eu consigo ver seu frágil esqueleto. Na verdade eu não ousaria chamá-la por esse nome. eu não ousaria tentar dizer o que é de fato a felicidade. seria a maior das pretensões e a maior das mentiras. Eu não posso definir algo que não acredito. Eu não quero viver a obrigação de ser feliz dessa forma. Eu quero entender essa consciência e poder voltar a viver com menos angústia. Eu queria caminhar junto de outro(s) que compartilham dessa consciência. Eu gosto da vida. Eu acho que ela é escancaradamente melhor e mais bonita do que essa idéia vendida da busca de um tipo de felicidade standard a qualquer custo. Um tipo de felicidade que entra em colapso quando se depara com o primeiro sinal de imperfeição, uma estrutura linda, mas que rui nas primeiras rachaduras aparentes.

Eu gosto da chuva que me adormece. (a mesma chuva que leva tudo). Eu amo essa boca que eu beijei. (a mesma boca que saiu tanta dor) . Existem infinitos tipos de tristeza e infinitos tipos de felicidade. Eu também não concordo em dividir a vida em turnos de tristeza e felicidade. isso é uma anomalia que segue andando e não fazemos nada. Eu estou cansado. muito cansado. Estou exausto de ver algo que está claro que não funciona se repetir. Estou cansado de ter vergonha e culpa pela minha melancolia. Estou sem forças pra insistir em algo tão frágil, estou cansado de lutar por tão pouco e perder, perder. essa é a maior das tristezas.

Tudo vai coexistir. Eu, vocês, vamos conhecer novas pessoas, novos namorados. vamos subir na carreira, vamos ganhar mais dinheiro. vamos conhecer novos lugares, novos sabores. ainda vamos sorrir muito nessa vida. e no meio disso tudo, vamos adoecer, vamos sofrer algum acidente, vamos ferir muito alguém e vamos ser feridos. como disse, a vida não é feita de turnos lindos e horríveis. a dor e a alegria sempre estiveram juntas ali. Eu quero sonhar com a possibilidade de viver bem sabendo disso. eu sou um poço de defeitos, eu jamais poderei garantir a felicidade de qualquer ser nesse mundo. Tudo que eu ofereço agora é minha disposição, a partir dessa consciência da dualidade, pra continuar escrevendo essa saga. Alegria é muito melhor do que tristeza. Tristeza não tem fim, felicidade sim.

A força e a beleza da vida são grandiosas demais pra gente ousar querer excluir sua parte mais feia e triste. e serei eternamente grato a quem me fez constatar isso.



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