quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Subjetividade e produção contemporânea . Fernando Cocchiarale


É notório que o discurso de parte significativa dos artistas que emergiram nas últimas décadas funda-se na valorização, em graus variados, do papel que as vivências e experiências pessoais desempenhariam em suas obras. A atenção, talvez excessiva, aos processos de subjetivação inerentes à criação artística move, atualmente, mais que nunca (mesmo se cotejarmos o caso de movimentos como o Surrealismo e o Expressionismo Abstrato), parcelas consideráveis da produção contemporânea, operando um deslocamento de foco do objeto artístico para o sujeito-artista. Ao contrário da produção tipicamente moderna, cuja ênfase na forma, nas linguagens e nos ismos inseria poéticas singulares no campo objetivo da história, a nova arte parece desprezar essa inserção, tornando difícil avaliá-la através do repertório teórico-crítico desenvolvido, desde o início de nosso século, para captar e produzir o sentido das produções modernas, eminentemente formalizadas e, portanto, estranhas à esses segmentos da contemporaneidade.


Um dos principais teóricos da pós-modernidade, Hal Foster, reconhece que "grande parte da arte de hoje efetua a libertação diante da história e da sociedade por um movimento do eu — como se o eu não estivesse informado pela história, como se ainda estivesse oposto à sociedade. Esta é uma velha queixa: o movimento do indivíduo para dentro de si, a retirada da política rumo à psicologia." A crítica dirige-se fundamentalmente aos adeptos de um certo tipo de pluralismo que supõe ser a sociedade um conjunto de indivíduos, o lugar de trocas inter-subjetivas onde nenhuma instância supra-individual, histórica, interviria. Mas o próprio Foster registra que o eu não é estranho à história, pois nela se delineia e se informa. Nesse sentido, importa menos o conteúdo simplificador do discurso desses artistas e críticos do que a emergência e a disseminação de uma nova maneira de se produzir arte, esta sim impregnada de historicidade e, por isso mesmo, passível de ser pensada e objetivada na palavra.

Assim como a auto-referência modernista tornou inócuas muitas categorias estéticas então vigentes, suscitando uma revolução teórica, a emergência de processos artísticos de formalização mínima, compósita ou residual, neste final de século, parece anunciar novas modalidades interpretativas. Por outro lado, se é legítimo afirmar que o eu não está aquém da história, devemos admitir, pelas mesmas razões, que o Sujeito Teórico não se situaria, de modo algum, além das circunstâncias específicas de uma determinada época. A teoria da arte não é pois um produto verdadeiro, perene e neutro, mas algo extremamente comprometido e informado pela vida social. Suas transformações à primeira vista determinadas por processos endógenos de retificação e aprimoramento em direção à verdade, seriam sobretudo decorrentes de pressões exercidas pela dinâmica da produção artística.

Fernando Cocchiarale é o curador oficial do Olheiro da Arte. Crítico de arte, curador independente e professor de Filosofia da Arte. Também é autor do livro “Quem tem medo da arte contemporânea?”, entre outros títulos.

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2 comentários:

Rodrigo disse...

Adoro o olhar dele sobre a arte e como escreve. Já tive o privilégio dele escrever sobre meu trabalho. Boa sorte no Olheiro da Arte. bjo.

Paulandre disse...

Tenho gostado muito das idéias, mesmo que nem tão profundas, de Luciano Trigo. Quando puder leia algo.