É notório que o discurso de parte significativa dos artistas que emergiram nas últimas décadas funda-se na valorização, em graus variados, do papel que as vivências e experiências pessoais desempenhariam em suas obras. A atenção, talvez excessiva, aos processos de subjetivação inerentes à criação artística move, atualmente, mais que nunca (mesmo se cotejarmos o caso de movimentos como o Surrealismo e o Expressionismo Abstrato), parcelas consideráveis da produção contemporânea, operando um deslocamento de foco do objeto artístico para o sujeito-artista. Ao contrário da produção tipicamente moderna, cuja ênfase na forma, nas linguagens e nos ismos inseria poéticas singulares no campo objetivo da história, a nova arte parece desprezar essa inserção, tornando difícil avaliá-la através do repertório teórico-crítico desenvolvido, desde o início de nosso século, para captar e produzir o sentido das produções modernas, eminentemente formalizadas e, portanto, estranhas à esses segmentos da contemporaneidade.
Um dos principais teóricos da pós-modernidade, Hal Foster, reconhece que "grande parte da arte de hoje efetua a libertação diante da história e da sociedade por um movimento do eu — como se o eu não estivesse informado pela história, como se ainda estivesse oposto à sociedade. Esta é uma velha queixa: o movimento do indivíduo para dentro de si, a retirada da política rumo à psicologia." A crítica dirige-se fundamentalmente aos adeptos de um certo tipo de pluralismo que supõe ser a sociedade um conjunto de indivíduos, o lugar de trocas inter-subjetivas onde nenhuma instância supra-individual, histórica, interviria. Mas o próprio Foster registra que o eu não é estranho à história, pois nela se delineia e se informa. Nesse sentido, importa menos o conteúdo simplificador do discurso desses artistas e críticos do que a emergência e a disseminação de uma nova maneira de se produzir arte, esta sim impregnada de historicidade e, por isso mesmo, passível de ser pensada e objetivada na palavra.
Assim como a auto-referência modernista tornou inócuas muitas categorias estéticas então vigentes, suscitando uma revolução teórica, a emergência de processos artísticos de formalização mínima, compósita ou residual, neste final de século, parece anunciar novas modalidades interpretativas. Por outro lado, se é legítimo afirmar que o eu não está aquém da história, devemos admitir, pelas mesmas razões, que o Sujeito Teórico não se situaria, de modo algum, além das circunstâncias específicas de uma determinada época. A teoria da arte não é pois um produto verdadeiro, perene e neutro, mas algo extremamente comprometido e informado pela vida social. Suas transformações à primeira vista determinadas por processos endógenos de retificação e aprimoramento em direção à verdade, seriam sobretudo decorrentes de pressões exercidas pela dinâmica da produção artística.
2 comentários:
Adoro o olhar dele sobre a arte e como escreve. Já tive o privilégio dele escrever sobre meu trabalho. Boa sorte no Olheiro da Arte. bjo.
Tenho gostado muito das idéias, mesmo que nem tão profundas, de Luciano Trigo. Quando puder leia algo.
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