quarta-feira, 21 de novembro de 2007

POLÊMICA


Bienal de 2008 promete abrir as portas sem expor obras de arte


Márcia Abos - O Globo Online

SÃO PAULO - A maior Bienal de Arte da América Latina está doente e vai passar literalmente por uma quarentena em sua próxima edição. O diagnóstico e a prescrição são do próprio curador da 28ª Bienal Internacional de São Paulo, Ivo Mesquita, que anunciou nesta sexta-feira que a mostra abrirá as portas ao público em outubro de 2008 sem expor uma única obra sequer. É polêmica à vista.

- Estou propondo um debate, chamando para uma conversa. Resolvi assumir e dar a cara para bater. É uma Bienal bastante polêmica e entendo se ela for controversa. Não haverá exposição no sentido formal. Odiaria ter que fazer uma exposição tampão, convidando artistas sem fazer uma pesquisa. Tive dez meses para preparar a Bienal, quando o prazo normal é dois anos. Fiz o que pude no tempo que tenho - disse Mesquita, que é o atual curador da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

" É uma Bienal bastante polêmica e entendo se ela for controversa. Não haverá exposição no sentido formal "

De acordo com o projeto de Mesquita, a 28ª Bienal vai durar 42 dias - o período clássico da quarentena. O térreo e o primeiro pavilhão do prédio serão transformados em uma praça. Os caixilhos e vidros que fecham a rampa de descida e o térreo serão removidos, seguindo o projeto original de Oscar Niemeyer. Nestes espaços, podem acontecer performances, concertos, apresentações de teatro, exibições de cinema e vídeo e shows. O segundo pavilhão estará totalmente vazio. O terceiro andar vai abrigar uma imensa biblioteca, contendo os arquivos de todas as Bienais de São Paulo desde a primeira, de 1951, e catálogos com informações sobre as cerca de 200 bienais de arte que existem hoje no mundo.

- A Bienal é um modelo de exposição do século XIX e estamos no século XXI. É preciso parar e repensar o que este modelo está fazendo e que tipo de imagem de arte ele passa. Será um exercício de reflexão sobre qual o lugar da Bienal hoje. Não acho que o modelo esteja esgotado, mas que ele precisa ser revisto. Estou propondo uma reflexão. Sei que estou fazendo uma curadoria mão pesada, pois teremos uma única instalação, que será o próprio prédio da Bienal, reformado segundo a proposta original de Niemeyer, e o imenso vazio do segundo pavilhão - explicou Mesquita.

A escolha do curador e do projeto da 28ª Bienal sofreu uma atraso de mais de um ano devido à profunda crise pela qual passa a atual administração da Fundação Bienal de São Paulo, presidida por Manoel Pires da Costa. Ele foi acusado de nepotismo ao contratar a seguradora na qual trabalhava seu genro, e uso da Fundação em benefício próprio, por usar serviços editora da qual é dono para prestar serviços à Bienal.

" A Bienal de São Paulo tem graves problemas institucionais e de gestão "

Alguns artistas até hoje reclamam que não receberam pagamentos da Fundação e um dos catálogos que trata dos seminários ocorridos na 27ª Bienal ainda não foi publicado. Manoel Pires da Costa passou a maior parte da entrevista de apresentação da 28º Bienal defendendo-se destas acusações, que segundo ele são quase todas mentirosas e motivadas por objetivos políticos de adversários que queriam seu cargo. Disse que foi inocentado das denúncias pelo Ministério Público.

- A Bienal de São Paulo tem graves problemas institucionais e de gestão, mas é a segunda maior e mais antiga do mundo. Sua importância permite que ela lance luz a todas as outras bienais do mundo. É tão importante quando a Bienal de Veneza - explicou Márcio Doctors, curador da Fundação Eva Klabin.

" Não quero ser lembrado como o curador da Bienal que não fez uma exposição "

Doctors apresentou uma proposta para ser o curador da 28ª Bienal, mas acabou retirando sua candidatura. Chegou a cogitar fazer a curadoria em conjunto com Ivo Mesquita, dividindo a Bienal em doia períodos: a primeira parte em 2008, que abrigaria seminários e debates, e a segunda em 2010, quando aconteceria a exposição de fato.

- Não quero ser lembrado como o curador da Bienal que não fez uma exposição, por isso desisti da curadoria. A fragmentação do projeto original esvazia a noção de vazio criativo, fazendo com que o vazio seja sinônimo de nada - disse, explicando ainda que seu projeto visava preservar a Bienal em um momento de crise. No entanto, ele acredita que a fragmentação do conceito original em dividir a Bienal impedirá a compreensão do público.

- Tendo o projeto completo, as pessoas entenderiam o conceito. O segundo pavilhão vazio seria até uma afirmação de força. Com o projeto fragmentado, perde-se a clareza do conceito - concluiu.

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