quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

pra quem está de fora







Há poucos dias atrás conheci o projeto Hotel Room Portraits do casal Richard Renaldi e Seth Boyd. Rinaldi é um fotográfo com vários trabalhos para nomes fortes como Vogue, New York Times, Advocate, entre outros. Os Hotel Room Portrais são obviamente, um registro pessoal dos dois nos quartos de hotéis pelos diversos países visitados. Pela pesquisa rápida que fiz, as imagens desse projeto vão de 1999 a 2009. 10 anos colecionando e compartilhando com o mundo momentos de ternura, intimidade, sossego, paz e muito amor.

Não sei se o casal ainda está junto hoje. Na verdade já havia visto algumas das fotos deles espalhadas no Tumblr, mas não sabia da origem. Também não negarei que a primeira coisa que me chamou a atenção foi a beleza física dos dois retratados, depois fui pensar nas cores, composição,etc.

imagem que acredito ser a mais famosa do projeto no Tumblr


minha favorita.



Mas há outras razões que me levaram a fazer esse post. na verdade, tenho mais vontade de extrair questionamentos desse projeto do que expressar o que acho, ler outras opiniões e leituras sobre o que existe além da inicial contemplação e os discursos que essas imagens possuem.

O que os Hotel Rooms Portraits dizem para você? Um trabalho tocante delicado e forte ao mesmo tempo? Um ato de coragem ao expor suas intimidades para o mundo? Exibicionismo de um padrão estereotipado de beleza? A afirmação de um ideal de felicidade inalcançável para a maioria dos mortais (gays) ? Um pouco de cada uma dessas coisas? Queria saber o que pensam..

Pessoalmente, eu vejo o trabalho mais como uma espécie de fetiche. Não o fetiche no sentido pelo qual todos já estamos acostumados, aquele cliché sexual que envolve adereços, taras e locais bizarros para transar. Acho que Richard e Seth jogam com o fetiche da ternura, o fetiche do amor perfeito e sublime, que na minha opinião é a síntese de todo o escapismo e ideal estético que o Tumblr sustenta na mente de tantas pessoas.

O Tumblr, é como se fosse um mundo em que você pudesse construir à maneira dos seus sonhos. Um mundo onde tudo é pleno, perfeito e escancaradamente lindo. basta seguir as páginas que contenham os ingredientes que você precisará na produção do seu lugar perfeito. homens lindos, sem roupa, mas com cara de carentes, bilhetes de amor eterno, paisagens oníricas, campos salpicados de orvalho, a temperatura sempre amena, sem excesso de calor, sem excesso de frio. quartos aconchegantes, cobertores macios, chás, cafés com creme, tortas deliciosas. rastros da passagem de alguém especial que você pode chamar de seu, e muito, mas muito amor de sobra. um mundo onde não existe sujeira, excessos, pobreza, falhas e absolutamente nenhuma feiura.

Mas tudo isso não é visto somente no Tumblr e muito menos é novidade. Qualquer Vogue que você veja também se presta ao mesmo papel de exaltar o belo e fazer com que você se sinta necessitado de tudo aquilo pra ter poder e se sentir melhor. A questão nem é o Tumblr. só o citei pois foi nele que conheci o casal. Foco no fetiche da ternura que o casal expõe. E penso nas reações que eles provocam em mim e no restante das pessoas. em 99% dos reblogs, era nítido que os dois eram uma espécie de objetivo e sonho que aqueles gays talvez não tão bonitos, talvez sem tanto dinheiro nutriam em seus corações solitários enquanto viam e postavam coisas no Tumblr, talvez numa noite solitária e fria.

Somos levados a suspirar e perseguir o ideal de amor e pureza que as fotos nos hotéis passam. Queríamos estar ali, descansando após um dia intenso e cansativo de passeios incríveis, compras, após o jantar delicioso no restaurante que conheceram naquela noite. com aquela média embriaguez gostosa que só temos quando bebemos com quem a gente ama. naquele quarto imaculado de hotel, com aqueles lençóis tão limpos e macios. aquele quarto de hotel será nosso mundo secreto, só nosso, durante 5 ou 6 dias. porque não compartilhar isso com o mundo?

Ninguém tem o direito de dizer se tudo isso é honesto ou não. Ninguém pode afirmar com certeza o que se passava naqueles quartos além dos dois. Mas eu acredito que qualquer um pode e deve pensar e sentir além do desejo. do desejo de ser como eles, do desejo de querer um deles e de estar no lugar deles. As imagens tem o poder de fazer com nos sentimos mais feios e piores do que elas, pois são imagens, hologramas que você não pode tocar. Nesse sentido se constrói o fetiche e a angústia. tanto o coração quanto o pênis se constituem de músculos. a tensão de sexo se confunde com a tensão de um não amor aqui comigo e com você agora. Será que essas imagens causam um dano em quem está carente e bem fraco? Será que elas são boas por levarem a possibilidade do sonho via banda larga pra tantos outros?

Como iniciei, o post quer expressar as perguntas que me faço agora. perguntas que se misturam com lembranças, reflexos, repetições. Tenho questionado o uso da palavra amor. Tenho refletido sobre sua concepção. relativizando seu conceito. Me pergunto se o amor de fato, seja lá o que seja, pode ser assimilado como um fetiche. Você aceita seu amor como um fetiche? aliás, há como falar de amor que não seja um fetiche? algum dia o conceito de amor deixou de ser um mero fetiche? ou seria o amor romântico o maior fetiche já criado pelo homem?

Pra quem já viveu algumas das cenas dos Hotel Rooms Portraits, mas não viverá mais, talvez entenda tantas perguntas. ficaram as bonitas imagens dos dois, ao menos. e para quem não registrou os quartos dos hotéis? qual o lugar da memórias? como salvá-las?

Memories are not recycled as atoms and particles and quantum physics, they may be lost forever. It's as if my past was an unfinished painting, and as a painter, I fill all the spaces ugly and make it beautiful again.
___




Lembrei do quanto você gostava de ficar horas vendo e apreciando imagens como as desse projeto. Sei o quanto elas são bonitas e prazerosas para você. Sei que elas te tocam, sei que elas mexem e produzem sonhos, suspiros e ternura no seu coração.

Sabemos que se quiséssemos poderíamos ter feito nossa pequena versão dos Hotel Room Portraits. Mas não.





Sonhos. passado, futuro. presente.

"Enxergar além do desejo, entender que precisamos de fatos."











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3 comentários:

Marcos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Oi,bem dude acho essas imagem tão lindas que me depremem de um certo jeito,pq talvez não ne va chegar até esse tipo de amor perfeitos, em minha vida,por isso não vejo muito essas imagens no tumblr,mais tenho que admiter que são belos trabalhos fotográfico, que atinção a cabezinha da gente,nas nossa vidinhas rotineiras....

George Fernandes disse...

Caro Joapa,

Sua análise foi impecável. Muito boa mesmo. Parabéns!

Devemos, de fato, "ler" essas imagens a partir do imaginário romântico que elas recriam, despertam e/ou fortalecem. A própria passagem do tempo*, perceptível não só pelas datas, mas nos corpos também, contribui para fortalecer no expectador a crença de que "nem tudo está perdido", que histórias de amor são reais e que em algum momento algo semelhante pode acontecer conosco também.

Conforme você sublinhou, as imagens tem um poder enorme de nos seduzir. Vendem conceitos, persuade-nos a comprá-los e nós, seduzidos, "levamos para casa" algo sem sequer parar para questionar sobre a sua viabilidade efetiva.

As fotos são muito bonitas, bem produzidas e tal, mas para homens de orientação homoafetiva, possuem ainda o "plus" de atenderem a uma certa demanda: é um discurso bem sucedido sobre "o amor que não ousa dizer o seu nome"; um amálgama perfeito entre o amor romântico oitocentista e uma expressão da sexualidade humana, via de regra, aviltada.

Quanto a sua última pergunta, posso te assegurar sem medo de errar que o amor romântico, assim como tantos outros sentimentos, é tão somente uma criação nossa, um artefato de nossa cultura. É claro que com isso não quero dizer que ele valha menos, mas que podemos e devemos questionar algumas de suas premissas, especialmente para não cairmos em determinadas "armadilhas discursivas" que ao invés de nos fazer bem, geram apenas expectativas, quase sempre frustradas. Compreendo o "aperto no peito" que alguns dos seus leitores possam vir a sentir ao ver algumas dessas fotos, mas há algo que não podemos esquecer: o amor romântico não é uma "conditio sine qua non" da felicidade.

As relações amorosas constituem uma das vias possíveis de realização pessoal, mas não são a única via. Além do mais, a ideia de "amor perfeito" deve ser encarada muito mais como horizonte do que como algo realmente efetivável.

Enfim, é isso! Mais uma vez parabéns pelo texto...


*Faz parte do catecismo romântico a ideia de que o "verdadeiro amor dura para sempre".