O céu é o companheiro, vigia, juiz, amigo e narrador da minha história. o céu foi o plano de fundo para o desenho de toda minha linha da vida. seja o céu azul ou nublado de dia, seja o céu salpicado de constelações ou o manto negro da noite, era sempre esse plano em que as memórias foram sendo escritas.
Quando meus entes e amigos morreram, a primeira imagem que me lembro foi do céu daquelas tardes, quando voltávamos pra nossas casas, após a última pá de terra sobre suas covas. o entardecer com pássaros, num dia quente. uma estranha paz.
Quando chegava do aeroporto ou rodoviária de uma cidade nova pra mim, era o céu a primeira porta que se abria, me lembro detalhadamente de cada cor, nuance, degradê, tom de cada céu que me recebeu.
Quando terminei cada relacionamento, a primeira coisa que sempre fiz foi ir pra janela, ou rua, e tentar achar resposta, rumo ou algum tipo de sinal, constelação, nuvem que me orientasse ou simplesmente fotografar aquele dia tão divisor, como marcar uma página de um livro, e entender de que forma aquele capítulo foi diferente de todo o restante da (nossa) história. Em cada término perguntava ao céu qual era o sentido de tudo aquilo. em cada fim era o céu o primeiro a me consolar.
Quando ocorriam tempestades violetas eu e meu irmão, ainda crianças, corríamos pra perto de nossa mãe e ficávamos vendo a tormenta lá fora. Quando a chuva acalmava um pouco minha mãe dizia que era dela que vinham os alimentos, verduras, sementes. mas na minha cabeça era como se chovesse sementes ao invés de somente gotas de água. Era o céu que eu olhava e fazia as pazes quando chovia após meses de seca na região do cerrado em que morei por tanto tempo. Desse céu eu também me lembro do cheiro de terra vermelha molhada que o acompanhava nessas horas. era uma festa, apesar do medo dos trovões e ventanias.
Existe ainda um céu místico, o maior de todos; uma colcha de retalhos, com um pedaço de cada plano especial, do mais terno ao mais impactante. o dia em que deitei no quintal da nossa casa em Diamantina e vi ilhas, clareiras onde pequenas constelações se moviam, ou seriam as nuvens? tem o retalho com o céu imaginário dos meus desenhos, tem o céu de uma tarde em Copacabana, onde eu caminhava e foi cortada por um helicóptero puxando e socorrendo um banhista que se afogava. Tem o retalho do céu amanhecendo na rodoviária de Belo Horizonte, naquele domingo que chegava pra morar aqui, com malas e caixas de papelão.
Tem o retalho do céu vermelho dos meses de maio e junho, quando meu pai palavra: " é, quando o céu fica rosa e laranja assim é porque vai fazer frio esse ano." Tem o retalho do céu azulado, meio escuro, meio claro, iluminadíssimo pela lua cheia no mato, quando saímos feito loucos de madrugada no sítio, bebendo Saint Remy. Tem o céu que foi testemunha de todas nossas aventuras e aquele que guarda nossos segredos mais secretos e valiosos.
No dia em que nossa jornada neste planeta acabar, será nesse colcha de retalhos que deitaremos, ela será gigante, infinita, do tamanho exato que nossa alma terá. será macia, e proporcionará um sono eterno, em que cada retalho nos levará para algum sonho diferente.
seguimos fotografando e costurando novos retalhos no cobertor de céu.
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