quarta-feira, 3 de agosto de 2011

uma carta de Susanna Kahls para Jerome

imagem: Felix Gonzalez Torres





Jerome


A emergência de tua chegada me força a escrever sobre a minha urgência em ‘vazar’ o mais rápido daqui. E minha curiosidade sobre tua forma é cada dia maior, apesar de imaginar que isso não seja tão importante por aí o quanto é importante por aqui. Me perco em devaneios se você é azul ou usa um daqueles trajes com acessórios de cabeça que os primitivos confundiram com auréolas.

Estamos aparentemente bem, e elouquecendo cada um a sua maneira. Viciados numa diversidade disfarçada de gueto. Uns crucificam enquanto outros baixam santos, com suas burcas ou biquinis, se dividindo entre conselhos vindos do além e a inveja que mata. Dançamos hits entoando cabala turbinados de cocaína e comemos arroz integral com vagem reciclando o lixo por um sono mais tranquilo.

Todos correndo do pau a sua maneira.

Compramos tudo, queremos tudo e acabamos com absolutamente nada. O céu já deixou de ser o limite com nossa tecnologia de ponta, mas mesmo assim estamos apegados a cada fio de cabelo nosso – e dos que achamos que são nossos – e os supermercados estão lotados de cadáveres congelados, frutas murchas e prateleiras de cosméticos, solventes e complexos alimentícios à base de albumina ou substâncias cancerígenas, onde o peso líquido enumera claramente os kilogramas de carência contidos em cada embalagem.

Tudo meio que passa pelo abandono, ou a incapaciade de aceitá-lo. O ciclo de nascimentos e mortes, os carmas, retornos, um inferno, você bem sabe. Crime em cima de crime, com muita dissimulação e mea culpa. Choramos pelos cantos, escondemos as feridas embaixo de alfaitaria bem cortada, e o Freddie nos ensinou que the show must go on.

Pois é, ainda tem isso, a mimese, o show. Representamos tudo, e tanto, de maneira tão ideal e perfeita que ficou complicado viver sem esse referencial. De acreditar que não é daquele jeito. E cada dia é mais infeliz que o outro já que não somos deuses. Nem monstros. Somos formigas. Impetuosas, carregando folhas três vezes maiores que nosso corpo como numa balada pela sobrevivência no NatGeo. Uma piada pronta de uma natureza morta.

Conto os dias para o início de nossa jornada... We'll journey to Mars 
And visit the stars… 
Finding our breakfast on Pluto*… A música não sai da minha cabeça, assim como você também não.


See you later, alligator.


S.


Nenhum comentário: