terça-feira, 11 de dezembro de 2007

revista Trópico

MERCADO - Retrato do artista como celebridade

Por Paula Sibilia

Com suas obras polêmicas e sua habilidade midiática, Damien Hirst empurra os limites da fustigada definição de “arte”


Que um mal-estar afeta a arte contemporânea, isso todo o mundo já sabe -ou, no mínimo, que esta deveria sentir-se afetada, pois essa inquietação a vem assombrando há tempos. Mas esse incômodo é até bem-vindo; o verdadeiro problema reside em ignorá-lo, fazendo de conta que tudo continua do mesmo jeito. Entretanto, pelo menos desde que Marcel Duchamp resolvera expor em um museu o agora famoso urinol por ele assinado, sacudindo os alicerces empoeirados da cultura burguesa, sabe-se que a arte já não é o que era -e talvez nem deva sê-lo.


Muita coisa se passou ao longo do último século, tanto dentro dos museus como fora deles. O curioso é que, após o desmoronamento do templo da Arte rematado por aquelas vanguardas que já são históricas, e após todos os certificados de óbito concedidos ao Autor, ao Artista e aos Museus, o panorama da criação contemporânea que oferecem os meios de comunicação (e que o mercado entroniza) não podia ser mais sacralizador de todas essas pomposas figuras.

Assim, por exemplo, em meio a esse exército de mortos muito vivos, nestes alvores do século XXI, o britânico Damien Hirst ganhou o cetro do “artista vivo mais bem cotado do mundo”. O feito ocorreu quando uma de suas instalações de remédios coloridos se converteu na obra mais cara de um autor não falecido.



Trata-se de uma peça integrante da série conceitual “Quatro Estações”, composta por dois pares de vitrines de aço inoxidável e vidro, repletas de pílulas de diversas cores que aludem a cada uma das estações do ano. Na obra correspondente à primavera, 6.136 comprimidos multicoloridos foram alinhados nas estantes com primorosa precisão geométrica. É precisamente essa instalação, confeccionada em 2002, que foi vendida por quase US$ 20 milhões em meados de 2007, marcando recordes históricos em um leilão da loja Sotheby’s.


Damien Hirst tem pouco mais de 40 anos de idade e pertence ao seleto grupo conhecido como “jovens artistas britânicos” (YBA, pela sigla em inglês), que lidera a cena global há uma década, desde que o publicitário Charles Saatchi comprara todas suas obras e as expusera na Royal Academy de Londres.

Essa mostra escandalizou muita gente, ganhando o glamouroso rótulo de “shock art” para encher as sedentas fauces da mídia. Entre os chocados espectadores figurava o pitoresco prefeito de Nova York naqueles tempos, Rudolf Giuliani, que se manifestou energicamente contra a exibição. Assim, como um verme que foge orgulhoso da Grande Maçã, as obras atravessaram a ponte sobre o East River e foram expostas, com considerável sucesso, no Museu de Arte Moderna do Brooklyn.

O reluzente título de “artista vivo mais caro do mundo” não é uma surpresa, pois há vários anos que as peças assinadas por este autor atingem cifras estratosféricas. A fim de satisfazer a enorme demanda que suas obras despertam no mercado, Hirst administra uma equipe de mais de cem assistentes para a sua elaboração: um time composto não apenas de operários e artesãos, mas também de químicos, taxidermistas, biólogos e engenheiros. Ele raramente coloca as mãos na massa.

Comenta-se, inclusive, que não costuma visitar os ateliês com muita freqüência, apenas supervisa tudo a partir de um elegante estúdio localizado no centro da capital britânica. A despeito das convulsões que essa produção industrializada poderia provocar na atribulada definição contemporânea da atividade artística, ele garante que “o importante é a idéia, não a sua execução”.

O artista confessa ter pintado só umas poucas das telas que costuma assinar. “Não estou a fim de me preocupar com isso”, esclarece, além de reconhecer que não é muito dotado nessas arenas. “A pessoa que melhor tem pintado para mim é Rachel”, afirma, aludindo a uma integrante da sua equipe. “Ela é brilhante, o melhor quadro meu que você pode ter é um quadro pintado por Rachel.” Quando outra de suas assistentes resolveu deixar o emprego, pediu ao ex-patrão uma pintura sua para levar como lembrança. Mas Hirst sugeriu que ela própria poderia fazê-la, pois “a única diferença entre uma tela pintada por ela e uma minha é o preço”, disse ele.

Perturbador? Pode ser, mas o deboche pouco tem a ver com a atitude profanadora dos iconoclastas ou daqueles que vivenciavam a urgência de “ser absolutamente modernos”. Aqui, ao que parece, trata-se de negócios -e de negócios muito sérios. Entretanto, o mais perturbador talvez seja que a filiação entre ambos os fenômenos é evidente: de alguma maneira, um decorre do outro, assim como os sonhos da razão engendram monstros, e assim como os desvarios iluministas foram capazes de gerar a barbárie.

Pois somente a consagração da idéia do artista como alguém que é (em oposição ao artesão como alguém que faz) pode explicar esses curiosos devires tão contemporâneos, que em vez de matar o Autor, acabaram coroando-o com todas as honrarias do caso. Uma metamorfose que envolve vários processos muito complexos, e que sem dúvida não atinge a todos aqueles que hoje se consideram artistas ou que criam objetos tidos como artísticos. Mas essa mutação foi consagrada, nos últimos tempos, por uma dupla imbatível: a incestuosa aliança entre a mídia e o mercado.

É possível vislumbrar um ponto de clivagem naquele célebre gesto de Marcel Duchamp, que no início do século XX provocou um cataclismo ao tentar expor um objeto qualquer em um museu -por exemplo, um urinol-, afirmando que aquilo podia ser considerado “arte” porque ele, um artista, ali o colocara. Não há como negar a potência desse ato como evento histórico, e a importância que teve para fazer implodir certos valores esclerosados.

É no mínimo paradoxal, porém, o que o tempo fez com isso, e o que nosso presente museificador e celebrizante ainda continua a fazer. Basta lembrar que aquele urinol hoje ocupa um prestigioso espaço nos museus do mundo, e ninguém parece contestar sua qualidade de “obra de arte”, além de ser incansavelmente homenageado e parodiado.

Não por acaso, nos balanços que pipocaram no final do milênio, o célebre urinol foi eleito “a obra mais influente do século XX”. Além de ter sido inacreditavelmente “museificado”, ganhando aura autoral e o valor incomensurável de uma obra artística maior (“a” maior do século!), o urinol de Duchamp abriu as portas dos museus para que “qualquer coisa” seja considerada arte e, portanto, tenha o direito de ser exposta e contemplada entre magnas paredes. Qualquer coisa, desde que leve a assinatura de um artista.

Pode parecer incongruente, mas em vez de acabar com as enferrujadas pretensões da Arte e dos Museus (e com os Artistas), o gesto incendiário de Duchamp foi metabolizado com muita eficácia pelos circuitos mercadológicos e midiáticos que alimentam o relato oficial das artes contemporâneas. Assim, terminou fortalecendo as antigas hierarquias e tornando-as ainda mais arbitrárias: catapultou para sempre o glorioso ser artista.

Porque, ao se converter em uma celebridade que vende objetos de grife, o artista tocado com a varinha mágica da mídia e do mercado se distancia definitivamente do artesão. Não precisa fazer mais nada com suas mãos. Basta apenas que dele emane uma boa dose de excentricidade palatável (e de visibilidade) para impor e vender certa imagem -ou pior, um “conceito”. Sob essas novas regras do jogo, será a fulgurante personalidade do artista que emprestará seu sentido à obra, e não o contrário.

O que dizer, se não, do bom discípulo de Marcel Duchamp que, em 1993, urinou no célebre urinol exposto em um museu e logo reclamou sua propriedade sobre a obra por ter lhe devolvido sua função original? Em 2005, o mesmo “artista conceitual”, chamado Pierre Pinoncelli, atacou o urinol a marteladas no Centro Georges Pompidou, alegando outra forma de “apropriação”. Em vez de festejar seu duchampiano gesto escandalizador de burgueses, Pinoncelli foi processado, pois o valor do urinol danificado hoje se calcula em cifras de sete dígitos.

Hirst também teve seu momento infame: em uma exibição de 1994, um visitante inconformado jogou tinta preta no tanque onde flutuava uma ovelha morta, estragando assim sua obra batizada “Away from the Flock” (“Fora do Rebanho”). Sem nenhuma concessão ao espírito crítico, à eventual “co-autoria” com o impetuoso espectador, ou ao mero senso de humor que convertera um cordeiro qualquer em uma verdadeira ovelha negra, o jovem (e riquíssimo) artista britânico processou o intruso e mandou restaurar a obra.

São inúmeros os despropósitos implícitos nesta história espiralada, na qual o objeto supostamente dessacralizador é incrivelmente sacralizado em milhões de dólares e prestigiosos museus. Sobre eles paira, entretanto, uma certeza: nas margens desse circo midiático de escândalos baratos e luxuosos leilões, o mundo fervilha de invenções grandes e pequenas, porém capazes de comover, surpreender, angustiar, desnortear e ampliar o campo do possível.

Basta citar uma lacônica reflexão do próprio Duchamp: “Eu joguei o urinol na cara deles como desafio e agora eles o admiram como objeto de arte por suas qualidades estéticas”. Contudo, convém esclarecer que foi ele mesmo quem iniciou esse processo. Não por acaso, hoje é considerado o autor da obra mais influente do século XX, portanto “o artista” par excellence dessa confusa centúria que passou, e que deixou tantas portas abertas ao ar fresco do novo como vorazes mecanismos de repetição do mesmo -sempre a mesma “novidade”, repetida como em um caleidoscópio e vendida cada vez mais cara.

Pois o fato é que não existe apenas um, mas são vários os urinóis assinados por Duchamp. Não há sequer um original, visto que aquele apresentado na exposição de 1917 não foi aceito pelo museu nova-iorquino onde tentou expô-lo e acabou sendo jogado no lixo por algum desavisado com pouquíssima visão de futuro.

Somente no ano de 1964, por exemplo, o artista mandou comprar numa loja qualquer e assinou pelo menos oito cópias do ready-made, vendendo-as para diversos museus a fim de inseri-las no sistema artístico que antes condenara. Com incrível sucesso, pelo visto: recentemente, encerrando o tumultuado século que tão bem representaria, a Tate Gallery de Londres comprou uma das cópias por um milhão de libras.

Voltando ao britânico Damien Hirst que hoje brilha tanto nos museus como nos mercados, cumpre esclarecer que apesar de caras, muito caras, as instalações farmacêuticas que o levaram ao topo das cotações contemporâneas não são as peças mais controversas (e, portanto, as mais ilustres) do seu acervo.


O artista costuma utilizar restos de animais mortos para fazer suas obras, encapsulados em tanques de formol. O primeiro e mais famoso dessa série é um enorme tubarão, protagonista exclusivo de uma obra cujo título tampouco é modesto: “The Physical Impossibility Of Death In the Mind Of Someone Living”, ou “Impossibilidade Física da Morte na Mente de Alguém Vivo”.

Criada no despontar da década de 90, a peça foi vendida em 2004 por US$ 12 milhões. Quem o converteu desse modo no “segundo artista vivo mais caro do mundo” foi um colecionador particular, que em seguida apresentou uma reclamação: a obra estaria apodrecendo.

Com isso, acendera-se mais uma das costumeiras polêmicas que rodeiam a figura deste “enfant” tão terrível como mimado. Mas a ocasião não foi aproveitada para endossar os debates sobre a efemeridade da arte que perdera dignamente sua aura. Nem para dar o merecido troco a quem ainda continua acreditando no mofado mito do Artista. Nem para zombar do elitismo contemplativo de uma arte que deveria ser durável e padronizada, ou do ímpeto museificador e outras questões supostamente ultrapassadas na cena artística contemporânea. Nada de escandalizar os burgueses, que agora são bastante simpáticos e estão dispostos a “colecionar arte contemporânea”. Sem remorsos, então: em 2006, o animal em decomposição foi substituído por outro exemplar, e hoje a peça se exibe no MoMA de Nova York.

Mas é claro que a coisa não parou por aí. Após admitir que “boa parte da inspiração veio do filme de Spielberg, ‘Tubarão’”, essa criação precoce serviu para convencer o jovem artista de que “nada é impossível”, partindo então para “a criação de idéias mais complexas”.

Outra peça em formol, por exemplo, que compreende o cadáver de um bezerro sentado em um vaso sanitário com uma agulha encravada no pé, denomina-se “A Tranqüilidade da Solidão” e inspira-se no retrato que Francis Bacon fez de seu falecido amante, após tê-lo encontrado morto no banheiro devido a uma overdose. Já a milionária instalação dos remédios primaverais homenageia a obra clássica de Botticelli, e encarna uma “celebração alegórica da vida” com suas pílulas policromadas. “A arte é como uma medicina: pode curar”, explica o autor.

acredite, isso irá salvar a sua vida

JUNIOR


eis que ganhei um exemplar numero 02 da revista Junior. Durante uma festa de lançamento da mesma, na boate onde trabalho como fotografo. Achei a primeira vista, um grande avanço de fato, no quesito publicações com temática abertamente gay, ou de certa forma com conteúdo voltado a esse público, apesar de não gostar muito de rótulos e categorias assim. de todo modo, a revista realmente preenche uma lacuna nesse espaço das bancas. grandes anunciantes como Diesel e Cavalera, bela diagramação, o ponto forte da revista é o visual.

as matérias, o conteúdo de fato, ainda pesa naquele território imaginavel e idealizado do gay-perfeito e sofisticado, por mais que a revista queira causar um certo desconforto nesse pensamento comum, ( com a divertida matéria sobre o estereótipo da bichinha pão com ovo e materia curta sobre homens que têm pêlos no corpo hoje em dia ), ela volta e cai no mesmo lugar que sempre acomete esse tipo de material, pois a revista precisa vender, pois gays tem dinheiro, e querem é claro, corpos sarados, marcas caras e outras coisas ligadas a sofisticação, yes nós queremos hype.

interessante
tb a resenha que a Folha Online fez à revista comparando ela com uma capricho gay:

Revista "Junior", uma "Capricho" gay?

SÉRGIO RIPARDO
Editor de Ilustrada da Folha Online


Mostrar imagens de homens sarados (com o pênis ereto, de preferência) sempre foi o caminho mais fácil de conquistar a atenção dos gays (assumidos e enrustidos). Há uma necessidade real de estímulos para o prazer, em um mundo em que a nudez masculina ainda é vista como algo grotesco, imoral e de mau gosto. Nos últimos dez anos, a "G Magazine" apostou na fórmula de exibir a genitália de modelos, "big brothers", jogadores e aspirantes à fama. Neste mês, surgiu uma novidade neste mercado: chegou às bancas a "Junior" (R$ 12), revista de André Fischer e da editora Sapucaia, apostando em uma nova percepção das necessidades do público GLS.

São 116 páginas, em uma edição com acabamento primoroso. Folheando a revista, a primeira surpresa é a presença de anúncios de marcas internacionais, como Diesel e Calvin Klein. Lá fora, não é de hoje que essas grifes costumam colocar seu dinheiro em publicações com conteúdo gay, como a revista norte-americana "Out", a francesa "Têtu", a belga "Gus", a australiana "DNA", inspirações de "Junior". No Brasil, ainda havia uma resistência de grandes anunciantes em entrar explicitamente no mercado editorial gay. A "G", por exemplo, em seus editoriais, sempre reclamava dessa ausência.

É evidente que uma publicação como a "Junior" atingirá um público mais amplo do que uma revista de nu frontal, considerada "imprópria para menores". Em grupos de discussão sobre o novo título, há uma comparação interessante: a "Junior" seria uma "Capricho" gay, em referência à famosa revista de meninas. Ou seja, o seu foco é o novo homem, os garotos que cresceram em uma ambiente social mais tolerante com a busca pela igualdade de direitos, com a diversidade sexual.

Na era da internet, esses meninos sabem achar fotos e vídeos de sexo gay com a mesma agilidade com que conversam com mais de uma pessoa em programa de mensagens instantâneas. Não gastam seu dinheiro com revistas de nu. Buscam o "algo mais" --seus interesses não se limitam ao sexo, mas englobam também áreas da cultura, como música, moda, estilo e comportamento.

Para atender a essa demanda de mercado, perde espaço a abordagem tradicional dos temas preferidos da militância (como a agenda política e legislativa e denúncias de homofobia). Ao privilegiar os apelos visuais, a revista tenta falar a língua do seu público, cativá-lo, embora também abra espaço para uma crítica ranzinza e anacrônica sobre uma despolitização, uma pauta de frivolidades, uma alienação com o mundo cor-de-rosa.

Para os mais jovens (ou juniors, com o perdão do trocadilho), o ativismo político, que marcou gerações anteriores de gays, virou retórica vazia, já era. A sigla "GLS" é vista como um conceito démodé, de tiozinho. No universo da garotada desencanada, em geral da classe média urbana, "gay" e "lésbica" são apenas rótulos, que aprisionam a sexualidade e, claro, criam problemas na família, na escola e na rua. O que eles querem saber é o que comprar, o que vestir, qual o som do momento, qual a última dos seus ídolos. Tudo isso eles encontram na "Junior", cujo segundo número deve sair em novembro. A partir daí, é esperar para ver se a fórmula comercial e editorial "pega" e como a concorrência reagirá a essa nova onda.